Fugindo do óbvio: o que significa o atentado em Orlando?

Diego Mendonça.Diego Mendonça Domingues é Engenheiro civil, formado pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em administração tributária e integrante do levante popular da juventude. Todas as quintas-feiras, publica sua coluna no Portal Comcafé.

O pior massacre ocorrido nos Estados Unidos desde o 11 de Setembro, o atentado em Orlando, na Flórida, que resultado na morte de 50 pessoas num clube gay precisa ser discutido para além não apenas dos preconceitos de gênero, mas também superando as ideologias político-econômicas: à luz da mais sincera humanidade.

Oportunistas já falam em reflexo da doente sociedade norte-americana e de sua cultura armamentista, ledo engano. Fundamentalistas, na outra ponta do pólo – e não mais nem menos ignorantes ou mal intencionados – reagem assinando o discurso da cura gay e afirmando que a tragédia era anunciada e devida. Ambos os pensamentos equivocados e sanguinários, ou seja, fascistas.

O debate que deve preceder as análises precisa ter coerência política. Se é fato que o capitalismo estadunidense não vem dando conta dos anseios da população e do mundo do trabalho (vide número de morados de rua em Nova Iorque, polarizando com o discurso do sucesso) não se pode fechar o olho para a Rússia, por exemplo, país em que os homossexuais são perseguidos. A luta e o movimento LGBT precisam ser protagonizados pela comunidade LGBT, assim como o feminismo precisa é das mulheres para se afirmar, porém é necessário que o povo não se abstenha da defesa dos direitos fundamentais do ser humano, como o da vida.

Outra questão levantada foi a das doenças mentais. Como a sociedade poderia dar conta de possíveis complicações neurológicas? O avanço da medicina precisa ser direcionado para uma sociedade mais livre, e não focado no aumento do lucro. Delírios islâmicos estariam presentes no autor do atentado?

Mas o que substancialmente este texto se propõe a tratar é da questão das armas na sociedade. Esse não foi o primeiro e nem será o último caso diferenciado dentro dos EUA.

Primeiramente, gostaria de relacionar, e discutir se há mesmo relação direta, entre histórico de violência na evolução de um país, mistura étnica dentro de um povo, proibição da venda de armas para civis, insegurança da população, política governamental de repressão à base de força, influência midiática e número de assassinatos por arma de fogo em determinado lugar.

Penso que cada um desses itens, somados à cultura de uma sociedade, contribui com algum peso nas chacinas tão divulgadas nas mídias.

É fato que a probabilidade de uma nação como a Alemanha, por exemplo, que foi diretamente afetada pelo nazismo, primeira e segunda guerras mundiais, ter mais casos de violência do que uma sociedade pouco afetada por guerras é grande. Entretanto, o número de homicídios na Alemanha, por ano, é menor que 100, enquanto em Foz do Iguaçu esse número passa de 250.

Pode-se dizer que o histórico sangrento da construção social de Foz é grande.

Mais de 15% da população canadense não é caucasiana. Esse número é muito parecido na cidade de Curitiba, e o número de assassinatos por arma de fogo aqui (em uma cidade!), é cerca de 5 vezes maior. Tudo bem, minto, contei a região metropolitana.

Apenas para esclarecimento, faço o comparativo com nosso país pois tenho os dados de maneira mais fácil. Entretanto, nosso contexto não é muito diferente da dos EUA , lá o pessoal também costuma sair se matando.

Para quem pensou que eu deixaria a questão da proibição de armas por último, digo que nos EUA a compra de armas e munição é mais facilitada que aqui e no Canadá, para cada dois cidadãos existe uma arma. No Chile a venda é também maior que no Brasil (em números relativos), e os homicídios não chegam a 10% dos brasileiros (relativamente também, é claro). Faz parte da cultura do povo cadadense e chileno não matar indivíduos da mesma espécie? Não penso que seja apenas isso. É consenso que os estado-unidenses têm uma cultura refinada, tanto quanto essas duas. Apenas diferentes. Mas seria essa diferença o diferencial?

Bastaria diminuir o número de armas nas ruas? E por quê países que têm mais armas nas mãos dos cidadãos não cometem tantos crimes?

Historicamente a população mundial sofre de um trauma de segurança.

Simplificando e partindo da colonização do Novo Mundo. O pessoal não tão ortodoxo fugiu da Europa, por medo. Chegou aqui e matou quem era diferente, por medo (medo de quê fica para vocês). Estabeleceu-se, guerreou entre si, escravizou negros, formou KKK, dissolveu KKK, hoje se fecha em prédios de segurança máxima e usa armas para proteção pessoal. A humanidade tem medo da humanidade. Essa insegurança, medo do vizinho, medo de descer do ônibus à noite, medo de ter os filhos assaltados é justificativa mundial para portar armas, construir armas, ter grandes exércitos e participar de guerras. Sinceramente, se você pudesse andar armado, por segurança, não seria mais cômodo?

Como acabei citando no parágrafo anterior, os próprios governos combatem a violência com mais violência. E se não tivesse sido assim, como o morro do alemão teria sido invadido e pacificado?

Certamente há jornalismo de qualidade. Entretanto, se você já assistiu um programa do Datena, vê o absurdo que é propagar todo dia o ar de sangue nas famílias brasileiras? Isso é mostrar a realidade? Não, isso é obter ibope.

Diminuiu mais de 5% o número de crimes no Brasil em 2010. Aumentou 20% os crimes televisionados. Isso induz a violência.

Fácil dizer que é uma soma de fatores e que a raiz do problema é bem mais profunda. Mas homicídios não deveriam ser normais, e se tratarmos o assunto como distante estamos contribuindo com essa anomalia social.

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