Mães que assumem duplo papel na criação de filhos surpreendentes

Ela criou os filhos sozinha e a entrevista com seu filho Roberto é uma homenagem a todas as mães que “tocam o barco” mesmo a revelia dos ventos,  como a Dona Soeli.

Fotos: arquivo pessoal
Dona Soeli e o Filho Roberto, no dia da formatura dela, no magistério, que foi na mesma época em que ele teve a 1ª formatura do curso militar no ITA

Roberto Brusnicki é um jovem laranjeirense que dá orgulho não só para a dona Soeli Pimentel Ortiz, 63, sua mãe, mas para todos que sentem nele o perfil de gente que não desperdiça oportunidades, aliando esforços, à capacidade de desenvolvimento e de sonhar com um futuro possível para poucos da sua origem, que acreditam e transpõem barreiras.

COMCAFÉ – Bem, você é um jovem incomum. Filho de uma zeladora do Colégio Gildo, a tia Soeli (como os alunos chamam), que hoje está na função de inspetora de alunos, e que honradamente teve a competência de compreender sua capacidade de se desenvolver, de lhe apoiar.

Hoje, após ter passado inicialmente por outro curso, tendo morado na Casa do Estudante Universitário da UFPR, você foi para o ITA, onde se formou e agora trabalha, certo?  Você pode descrever um pouco da sua trajetória de estudos (desde a preparação para a universidade, a ida para Curitiba e depois como entrou em uma das instituições mais conceituadas e mais difíceis do país)?

Dona Soeli com o filho Roberto em sua 1ª formatura no curso militar do ITA.

 ROBERTO – Após me formar no ensino médio em Laranjeiras, apesar de ter passado em alguns vestibulares, não comecei nenhuma faculdade. Fiquei em Laranjeiras trabalhando como garçom para ajudar minha mãe e estudei sozinho em casa. No ano seguinte, ganhei bolsa integral na PUCPR no curso de Eng. Mecatrônica, e também passei na UFPR em Eng. Mecânica. Eu já queria cursar o ITA naquela época, mas estas eram boas faculdades e não seria sensato desperdiçar tal oportunidade, e assim me mudei para Curitiba para cursa-las. Inicialmente cursei as duas, pois os cursos eram parecidos, e não me sobrecarregava. Após 1 semestre acabei optando somente pela UFPR, e nela fiquei por 3 anos. Até que chegando próximo a idade limite para tentar ITA, resolvi largar a faculdade e estudar para o temido vestibular novamente. Desta vez consegui bolsa de estudos em um cursinho focado no ITA, e com o devido preparo, deu tudo certo.

COMCAFÉ – Quais cursos você fez? Em que trabalha hoje?

 ROBERTO – No ITA eu optei por cursar Engenharia Eletrônica por ser o curso que possui maior afinidade com os assuntos que tenho interesse em trabalhar futuramente. Quando fiz o intercambio de 1 ano no MIT em 2015, tive a oportunidade de cursar algumas disciplinas de Engenharia Aeroespacial, e agora penso em talvez fazer uma pós-graduação nesta área. Atualmente, como optei pela carreira militar durante o ITA, eu trabalho para a Força Aérea Brasileira. Futuramente pretendo abrir minha própria empresa no setor tecnológico.

COMCAFÉ – Como foi sair de Laranjeiras do Sul e se deparar com uma cidade grande, você foi bem acolhido?

 ROBERTO – Após ir embora de casa morei em repúblicas com amigos, e nas casas de estudantes CELU e CEU. Fui bem acolhido em todas elas, e sempre adorei viver em Curitiba, apesar de ser uma cidade grande, funciona muito bem, é muito organizada, limpa, bonita, etc. Quem sabe volte a morar lá daqui um tempo.

COMCAFÉ – Sua mãe conta que você não superou só a barreira das dificuldades financeiras, tendo algumas vezes que aguardar as possibilidades dela poder ajudar, com um salário que era pouco, mas que também superou traumas de infância, como não convivência com seu pai. Como isso influenciou sua trajetória?

 ROBERTO – A dificuldade financeira era grande, mas não intransponível, minha mãe sempre me ajudou como pode. Meus estudos dependeram em grande parte de bolsas de estudos. No início, sempre que necessário eu trabalhava nos fins de semana como garçom no Largo da Ordem. Após um tempo, passei a trabalhar na própria UFPR dando monitoria de Física Moderna.

Minha situação financeira não era muito diferente de outros moradores das casas de estudantes, por isso gostava bastante de morar lá. Acabei conhecendo várias pessoas interessantes e batalhadoras. Não diria que a não convivência frequente com meu pai tenha sido traumática. Minha mãe sempre me deu todo o amparo necessário, e total liberdade para fazer o que eu bem entendesse. Em suma, acredito que ambos os fatores contribuíram para me tornar alguém mais determinado, e que resolve os próprios problemas, menos mimado.

COMCAFÉ – O que você diria que te motivou? Tem alguma pessoa/ídolo que é sua referência? O que mexeu com você? Foi apenas sede de conhecimento? Como essa história começou?

 ROBERTO – Olhando para o passado agora, tudo parece mais simples e intuitivo, mas não foi bem assim. É difícil dizer qual foi a motivação, inicialmente eu diria que foi apenas pelo desafio. Uma questão de autoafirmação mesmo. Eu me conhecia, e sabia que conseguiria se me dedicasse. Mas muita gente duvidou, talvez esta tenha sido mais uma motivação. A verdade é que eu não estava planejando nada a longo prazo como faço hoje. Eu apenas fui atrás do que julguei ser o melhor que eu conseguiria. Também não tinha nenhum ídolo em quem me espelhar como tenho hoje. É muito difícil traçar uma rota olhando para o futuro quando você não tem muito acesso à informação ou nem mesmo um mentor.

COMCAFÉ – Você acredita que todas as pessoas podem galgar espaços promissores ou que para isto tem que haver pessoas importantes como guias (supondo que sua mãe tenha um peso, no seu caso)? Ou essa determinação é individual…?

 ROBERTO – Eu acredito que sim, todas as pessoas podem. Mas esta não é a história completa, muitos não querem, e também acho que nem todos devem. No meu caso eu queria, achava que podia, e sentia o dever de buscar algo grande, ainda sinto isso hoje no início de minha carreira profissional, da mesma forma como foi no início dos meus estudos. Mas sem sombra de dúvida nem todo mundo sente isso da mesma forma. Tenho amigos que estão confortáveis apenas com o ensino médio, e outros buscando um doutorado, uns se dedicam inteiramente à profissão, outros a constituir uma família. Independentemente de que espaço as pessoas busquem, com certeza a determinação individual para alcançar seus objetivos é crucial. Possuir um guia não é totalmente necessário, mas facilita muito na trajetória!

COMCAFÉ – Onde foi sua formação de ensino fundamental e médio?

 ROBERTO – No ensino fundamental, cursei o primeiro ano no Colégio Sant’Ana, e os demais anos no C.M. Padre Gerson Galvino e C.E. Érico Veríssimo. Já no ensino médio, a primeira metade foi no C.E. Gildo Aluízio Schuck e a outra metade no S.E.L.S. (com bolsa).

COMCAFÉ – O que você tem a dizer a jovens que realizam sua formação em escola pública?

Não vejo problema algum na formação em escola pública. O diferencial está no aluno, e não na escola. Se o estudante tem consciência de que seu futuro depende de sua formação, ele aproveita a escola pública ao máximo. O oposto também é verdade, se não sabe disso, desperdiça a formação dada pela escola particular.

COMCAFÉ – O que é necessário para que a escola pública cultive e desenvolva talentos, para que tenhamos mais histórias de sucesso na sociedade, e menos jovens com problemas sociais?

 ROBERTO – Primeiramente, a função da escola é dar formação. Isto precisa ficar mais claro aos estudantes. Grande parte vai para escola obrigado, e não compreende direito o seu papel na sociedade. Escolas que possuem um magistério ou ensino técnico em geral são mais estimulantes para os alunos, pois estes veem com mais clareza como a formação recebida na escola irá se refletir em sua profissão. Se a escola tiver por objetivo cultivar e desenvolver talentos, primeiramente ela deve ser capaz de identifica-los, e então os prover de forma diferenciada. Estudantes que pretendem cursar uma universidade, por exemplo, se saem melhor em uma turma em que todos estão comprometidos com o mesmo objetivo, do que se estiverem entre alunos que pretendem apenas concluir o ensino médio. Medidas simples como separar as turmas a cada bimestre conforme um ranking das notas dos alunos é uma alternativa simples de ser implementada, e que tem demostrado bons resultados em escolas particulares que focam no vestibular.

Atualmente a escola tem passado por uma transição em que se busca além da formação, também dar aos estudantes o amparo social de que precisam. Com a mesma ideia da separação das turmas por notas, a escola pode melhor identificar os estudantes que precisam deste amparo, e focar seus recursos nos que mais precisam. Muitas outras ideias podem ser implementadas, mas esta em particular seria um bom começo.

COMCAFÉ – E por fim, quais são seus objetivos e próximos passos? Como você planeja hoje seu desenvolvimento?

  ROBERTO – Por muito tempo pensei em me manter na parte técnica e seguir estudando, talvez fazer pós-graduação no exterior e me tornar professor/pesquisador dentro da FAB mesmo. Porém, nos últimos meses tenho pensado bastante que meus recursos seriam melhores empregados na iniciativa privada, e sendo assim tenho cogitado abrir uma empresa de tecnologia no Brasil daqui algum tempo.

Sem dúvida se o fizer, será um desafio e tanto, e para ser bem-sucedido preciso aprender mais sobre muitas coisas, como economia, administração, gestão de pessoas e etc… Porém, a recompensa é grande, e além de ser ótima maneira de prover a família que pretendo constituir, é também uma maneira mais eficiente de retornar à sociedade todo o investimento posto pela mesma em minha educação.

Muito obrigada por ter se disposto a dar essa entrevista, muito sucesso para você, parabéns e feliz Dia das Mães para a dona Soeli e todas as mães!

 

 

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