O povo brasileiro assiste anestesiado à condenação da democracia


Diego Mendonça Domingues é Engenheiro civil, formado pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em administração tributária e integrante do levante popular da juventude e publica sua coluna todas terças-feiras, no Portal Comcafé.

Diego Mendonça.A palavra é de revolta.

Não é pela Dilma. Nem pelo PT. Não é pelo 13. Nem pelo valente coração da primeira presidenta (ver Aurélio) eleita na história do Brasil. E nem poderia ser. Não poderia ser por qualquer tipo de individualidade, particularidade ou pessoalidade. Nem por teimosia, insistência ou cegueira política.

É pela democracia.

Um marco democrático da nação ocorreu com a Constituição de 1988. Michel Temer prega que a cada nova Constituição, nasce um novo Estado. Nesse sentido, o Estado brasileiro de 1988 não é o mesmo de 1969, nem o de 1946, o de 1937, de 1934, de 1891, ou de 1824. Geograficamente pode ser o mesmo, porém não o é juridicamente.

A população do país firmou um pacto. Aceitou um projeto. Construiu uma ideia.

A ideia era a de que ao povo pertence originalmente o poder. O povo como sujeito formado pelas mulheres e homens compunham a ordem social. Já aqui fica a primeira reflexão: o que é povo?

Nesse novo Estado brasileiro (democrático de direito) a República Federativa do Brasil era soberana, ou seja, possuía autodeterminação plena, nunca dirigida por determinantes jurídicas extrínsicas à vontade do soberano, que era o povo na sua expressão nacional.

A Constituição prevê elencando atos da Presidência da República que poderiam levar a um impedimento legal. Eles são os crimes de responsabilidade, e são oito: i) atentar contra a existência da União, ii) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação, iii) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, iv) a segurança interna do País, v) a probidade na administração, vi) a lei orçamentária, vii) a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, e viii) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Dilma está sendo acusada de assinar três decretos de abertura de créditos suplementares: um em 27 de julho de 2015, no valor de 1,7 bilhão de reais, para projetos na área da educação, previdência, trabalho e cultura; outro, na mesma data, no valor de 29 milhões de reais, para diversos órgãos do Executivo; e o terceiro, em 20 de agosto de 2015, no valor de 600 milhões de reais, para despesas com o Judiciário. Isso, de acordo com os acusadores, feriria a lei orçamentária (item vi). Entretanto, os decretos não autorizaram um aumento de gastos, pois apenas remanejaram dinheiro de despesas já previstas e autorizadas pelo Congresso.

Dilma também está sendo acusada das “pedaladas fiscais”, as quais são a configuração de um atraso de pagamento ao Banco do Brasil entre janeiro e novembro de 2015 de parcelas que totalizaram 3,5 bilhões de reais referentes ao Plano Safra (programa federal que auxilia agricultores familiares a tomarem empréstimos do banco a juros bem mais baixos, tornando mais fácil o pagamento). De acordo com os acusadores esse atraso seria uma operação de crédito ferindo a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos (item vii). Porém, uma perícia do próprio Senado feita por técnicos a pedido da Comissão Processante do Impedimento constatou que não havia participação nem direta nem indireta da presidenta no fato.

E aqui fica o segundo questionamento, se não há ato que condene a presidenta por crime de responsabilidade para que estamos rompendo com nosso pacto constitucional?

Esgotado o argumento legal, temos o político. Sobre o qual também advém o econômico. A quem interessa insistir no golpe? Obviamente ao grupo que receberá maiores parcelas de poder. Obviamente, portanto, ao grupo que descontente com as conquistas democráticas da Constituição de 1988 e os avanços ocorridos desde então usurpa do momento de instabilidade para acumular força. Interessa ao grupo que na realidade cria, mediado por exemplo pela luta de classes, as condições que quer para governar. Interessa aos donos do Estado.

A instabilidade é fruto de uma crise econômica e moral da sociedade mundial e brasileira. Mas não apenas disso. É também fruto da incompetência governamental para uma educação libertadora no sentido de afirmação da soberania nacional. Portanto, é fruto do próprio povo brasileiro que recebe esse golpe, o qual não se organizou suficientemente bem a fim de resisti-lo.

Terceira questão: aprenderemos com nossos erros?

Agora, João*, estamos em um novo Estado. Não reconhecemos o governo usurpador que trabalha para o imperialismo e vende desde a energia até a cultura brasileira. Finalmente, em que pese a dor de ser esfaqueado por um falso aliado, o momento é de aproveitar a rebeldia a qual estamos vivenciando com um dos momentos mais tristes da história nacional, canalizá-la em prol de um projeto popular para o Brasil, e racional e friamente sangrar até a última gota toda artéria de cada golpista.

 

* João é o personagem do textos de 19/07/2016 e 02/08 – criado nesta coluna. Ao confrontar a dura realidade da vida adulta com o folclore infantil percebeu que na luta de classes se encontra o motor da história.

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