Todas elas teriam proteção garantida por lei: não fossem os abusadores, as falhas nas políticas públicas e o silêncio dos bons

Apesar da evidência dos fatos e das marcas de horror que a violência sexual infantil deixa, a prevenção fica por conta de escassas ações como caminhadas no Dia Internacional de Combate à Violência Sexual Infantil, além de algumas palestras, quando há possibilidade de atenção na agenda dos servidores das diversas instâncias, todos, já com muita sobrecarga.

Aproveitando ainda a deixa do mês de maio, quando todos os municípios desenvolveram ações e campanhas alusivas ao Dia Internacional de Combate à Exploração Sexual Infantil, o Jornal Comcafé apurou alguns aspectos que impedem que prevenção e conscientização vão para além das datas comemorativas.

O exemplo que trazemos aqui, não é exclusividade do Município de Laranjeiras do Sul, cujo fórum atende a uma comarca composta ainda pelo municípios de Marquinho, Nova Laranjeiras, Rio Bonito do Iguaçu e Porto Barreiro, somando perto de 70 mil habitantes. Mas é muito bem representado por ele. Onde os agente sociais do município têm mais dedicação do que lhes é exigida pela atribuição profissional, ao assumirem os cargos de assistentes sociais e psicólogos, por exemplo. No entanto, as fragilidades do sistema fazem com que, apesar de todo o esforço tenham um sentimento de impotência e frustração.

O município de Laranjeiras do Sul, que já conta com um número absurdamente reduzido de profissionais, apenas uma psicóloga na Assistência Social, uma no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), sem ofertar o atendimento, conforme preconiza a legislação, no Centro da Juventude e Secretaria Municipal de Educação, ainda tem que suprir as demandas do judiciário, que chegam em tom irrecusável pelo profissional, pois já trazem a observação que serão penalizados, caso não atendam.

O Caderno de Orientações Técnicas do CRAS – MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) Volume 2 – 1ª Edição, 2012, aponta em sua página 50 que:

“Não Constitui atribuição e competência das equipes de referência: Assumir o papel e/funções de equipes interprofissionais de outros setores da rede, como, por exemplo, da segurança pública (delegacias especializadas, unidades do sistema prisional, etc), órgão de defesa e responsabilização (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Conselho Tutelar) ou de outras políticas públicas.” Além da elevada demanda e sobrecarga que comprometem a dignidade de trabalho do profissional. A orientação se fundamenta ainda na possibilidade de que a exigência de que ocorram em prazos emergenciais, venha a comprometer negativamente a intervenção do profissional, inclusive no aspecto técnico. Mas isto, para a Secretaria de Justiça, parece que é visto como luxo, quando se trata dos pequenos municípios.

O resultado, é um trabalho focado apenas nos casos de violação consumados, e mesmo nesses, sem condições de dar a devida atenção, conforme relata o assistente social Vanderson Gomes. “É muito complicado fazer estudo de caso, dedicando a atenção técnica necessária, quando temos mais uma pilha de processos, também com prazos e necessidades emergenciais na demanda da função de ofício. No máximo, conseguimos fazer relatórios”, comenta Vanderson.

A secretaria de Assistência Social, Eliza Regina Gemelli Silva, diz que o município vem trabalhando em parceria com o judiciário. Que as demanda são atendidas e que apesar de entender que o ideal seria que o judiciário também tivesse, sua equipe, não dá para não atender situações que envolvem crianças. “A gente conta com nossa equipe que é muito competente. Eles tem dados conta. Temos uma relação de parceria e amistosidade com o judiciário, fazemos questão de atender”, comentou a secretária, observando que o prefeito Berto Silva, propôs fazer um acordo com o poder judiciário, para contratar mais profissionais e ceder estrutura, desde que as custas fossem divididas. “Daí mudou o juiz e teremos de retomar essa conversa. Mas da parte do município há interesse em fazer essa parceria”, expôs Eliza.

ENTREVISTA COM O PROMOTOR MICHAEL GEBELUKY, DO MP DA COMARCA DE LARANJEIRAS DO SUL

A constatação sobre a sobrecarga dos profissionais, qualidade dos serviços e expectativa da sociedade em contar com mais segurança no atendimento e com um trabalho que previna a violência sexual contra as crianças, foi levada pela reportagem de Comcafé ao promotor de justiça, do Ministério Público de Laranjeiras do Sul, Michael Gebeluky, que atua junto a vara da Infância e Adolescência, conforme segue:

Por ocasião dia 18 de maio, data em que se comemora o Dia de Combate à Exploração Sexual Infantil, quase todos os municípios da região aderem à campanhas e realizam atos que chamam a atenção da sociedade para o problema. No entanto, no dia a dia, todos alegam dificuldades para dar conta das demandas locais, sobretudo em função de poucos profissionais nas equipes que trabalham com crianças e famílias com direitos violados, o que impede que se faça de fato, o trabalho preventivo. Acabam trabalhando desafiadamente com o pós-violação. Como o Ministério Público tem orientado os municípios para a superação dessas dificuldades?

R: Sem dúvida a atuação é eminentemente repressiva, sobretudo com as redes de enfrentamento às violências, as quais, infelizmente, atuam sem aparelhamento satisfatório. De toda sorte, o problema não se resolve unicamente com a equipe técnica do judiciário, pois igualmente se insere no contexto da pós-violência.

Claro que existe todo um sistema de atendimento à criança e ao adolescente vítima de violência sexual. É um serviço socioassistencial tipificado na NOB/SUAS, como situações já de violência, lesão a direito e de atendimento pelo CREAS, dentro da ação social.

Essencialmente, é necessário orientar a população no sentindo preventivo, com as palestras e reuniões, com o próprio 18 de maio, com intervenções que façam a trabalhar muito mais o agressor/ofensor do que a vítima. O objetivo é conscientizar os agressores e, inclusive, cientificá-los acerca da gravidade das penas, citando exemplos de atuação que, mesmo repressivamente, geraram efeitos no sentido de validar a norma, ou seja, registrar que a norma existe e, se violada, gera consequências. O propósito, nesse ponto, é gerar a sensação de que o descumprimento da lei implica em sanção.

Os assistentes sociais, além da sobrecarga atribuída pela função no município, acabam tendo que absorver a demanda do judiciário, uma vez que esta instância de poder não conta com esses profissionais em seu quadro próprio. Por que isso acontece? Não há como os fóruns regionais solicitarem à Secretaria de Justiça, a abertura de concurso para suprir esses quadros, possibilitando que os municípios façam o trabalho preventivo?

R: Trabalhar preventivamente, assim, é crucial, orientando os jurisdicionados sobre a rede de proteção, as equipes técnicas de atendimento, etc. Aqui, o Ministério Público está atento ao quadro geral e tem cobrado das Secretarias a necessidade de inclusão de métodos meritórios nos procedimentos de ingresso nas funções sociais, objetivando, nesse viés, o aumento da qualidade e resolutividade das situações enfrentadas no atendimento à população.

As respostas do promotor do Ministério Público vem de encontro às constatações e reforçam a necessidade do suprimento dos quadros com profissionais, para que o problema seja solucionado, e que as crianças de fato, possam ter mais proteção.

A atuação e critérios de atendimento do Conselho Tutelar também é item observado por esta reportagem, que se compromete em fazer uma apuração sobre as dinâmicas do atendimento, abordagem e encaminhamentos, para a próxima edição deste periódico.

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