Primeira vereadora de Laranjeiras do Sul: contemporâneo exemplo de mulher livre

Ela pode ser vista por muitos como uma mulher que veio de uma família rica e por isso se projetou social e financeiramente. O que também é verdade. Mas sobretudo foi forjada em suas próprias escolhas de ousadias, desafios, renúncias, alegrias e dramas, alguns sobre os quais não teve escolhas. 

Teresinha Pelissari Lopes, nascida em 09 de abril de 1929 em Guarapuava, veio para Laranjeiras do Sul com 9 anos. Prestes a completar 89, é exemplo de mulher independente, com visão à frente de sua época, apaixonada por cultura, viagens e literatura, e por  isso entrevistada por Comcafé, pelo mês da Mulher, seguido de seu aniversário.

Ela foi aluna da Escola Santa Ana de Laranjeiras do Sul, em regime de internato, por dois anos e por mais seis, noutro colégio de freiras em Curitiba. Em seus relatos, conta que desgostava de algumas coisas no ambiente de internato, mas também gostava de muitas. Principalmente do convívio com algumas freiras, em especial uma francesa que lhe ensinou sua língua, a gostar de ler e compreender a importância da Cultura. De volta à Laranjeiras, já com profissão e independência, casou-se em 1953 com o advogado Xenofonte de Freitas Lopes, com quem teve cinco filhos.

Terezinha com os filhos Marco e Jefferson.

Terezinha, foi a primeira mulher a adquirir o próprio automóvel e a pilotar sua própria moto no município, bem como a primeira a mandar instalar uma piscina em sua casa e a buscar o devido espaço da mulher na política, tendo sido eleita a primeira vereadora da região, em 1955.

Na disputa pela vaga, concorria com seu irmãos, mas por partidos opostos. Ambos foram eleitos. Ela era de oposição e por isso, maioria de seus projetos eram arquivados, “mas como eram bons projetos, logo apareciam com um nome diferente, apresentados pelos colegas, e eu não me chateava. Achava graça e votava a favor”, relata.

Embora bem sucedida e de classe média/alta, a ascensão de Terezinha não foi sem passar pelos dramas de ser mulher, com a diferença de ter  uma visão de mundo bastante ampla para a época. Assim, nunca se deixava intimidar. Quando foi eleita vereadora, estava grávida do segundo filho, Marco Aurélio Pelizzari Lopes. Teve complicações nos últimos meses da gestação, e por isso se internou em Curitiba, até que acontecesse o parto. A oposição não a poupou. Fez uma campanha afirmando que quem não votava não poderia receber votos, tentando confundir a população em relação à lei que prevê que, quem não pode votar, não pode ser votado.

Em data festiva, com o filho Marco.

A eleição foi apurada e Terezinha recebeu a notícia da vitória quando saia da sala de parto, pelo médico que a atendia. “O médico que me atendeu, perguntou: Você é candidata a alguma coisa? Quando recebeu minha afirmativa, informou “pois foi eleita””, conta em seu livro, assegurando que a emoção foi grande, mas muito menor que a de receber um filho os braços. Ela não concluiu o mandato. Seu suplente, um “coletor estadual”, vinha sofrendo perseguições políticas e ameaças de ser transferido, o que não gostaria. Diante disso, ela resolveu dar motivos para ele permanecer.

Além de ter sido vereadora, ela tinha a contabilidade como profissão oficial, função que exerceu por 15 anos como contadora chefe da prefeitura, período em que se voltou mais às questões sociais. Esteve à frente de diversas instituições como Rotary (onde protagonizava a organização de mulheres, junto ao marido, um dos fundadores), Hospital de Caridade e APAE. Depois em parceria com o irmão, tocava os negócios da família. Fazendas, serraria e uma indústria de madeira para exportação, de grande porte, com cerca de 300 empregados, em São José dos Pinhais.

Internada apenas para a realização de exames de rotina.

De acordo com os filhos Marco e Nêmora, que intermediaram esta reportagem, resgatando a história de Terezinha, ela hoje está tratando da doença de Alzheimer, em estágio que impossibilita a clareza das informações, motivo pelo qual preferiram mediar, providenciando imagens, histórias e escritos, a exemplo do livro Anjo Verde (dedicado ao seu papagaio de estimação) – mas que conta muitas de suas histórias e de outras pessoas – escrito por Teresinha Pelissari Lopes, há 17 anos, assim como uma poesia da filha Isel, que ela perdeu em 1988, após 4 anos de tratamento contra um câncer no cérebro. Isel deixou duas filhas. Netas, com as quais Terezinha fez maioria de suas muitas viagens ao exterior.

O gosto por viagens e literatura

Leitora habitual.

Os filhos contam que o pai era caseiro e juto com ele, a mãe fez apenas uma grande viagem para os EUA. Ela aposentou-se em 1989 e tendo ficado viúva, fez muitas outras viagens na companhia da filha mais nova (Nêmora), e das netas filhas de Isel, assim como viagens de moto, que fazia na companhia da amiga Riva Schuk (esposa do Prof. Gildo Aluísio Schuk), na época, também viúva. Os relatos das viagens em seu livro são muitos, passando pela Turquia, Países da Europa e Africa do Sul, Américas, Latina e do Norte. A literatura, de acordo com os filhos foi sempre uma grande paixão de Terezinha.  “Minha mãe lia muito. Sempre lembro dela com um livro nas mãos”, comenta Marco.

A última viagem

Com os netos Ana Carolina e Mathias Gutierrez.

Em 2012, na companhia do filho Marco, fez sua última grande viagem. “Eu ia para a Argentina, para Buenos Aires, para onde vou com frequência. Então perguntei se ela gostaria de me acompanhar. Daí ela disse que para a argentina não. Perguntei se havia algum lugar para onde gostaria de voltar e me disse que para Paris. Mas que não tinha dinheiro para ir. Ela tinha dinheiro. Essa foi a primeira manifestação do Alzheimer”, conta Marco, observando que durante a viagem percebeu mais algumas falhas da memória da mãe, mas que foi possível realizar e aproveitar o sonho dela de rever Paris, tendo estendido até uma visita à neta, em Londres.

Adoções

Vale dizer que detre os tantos afazeres aos quais se dedicava, Terezinha teve um tempo de sua vida voltado à identificação de crianças abandonadas e de pais com capacidade de adoção para promovê-la, tendo feito essa ponte entre diversas famílias que se formaram por seu intermédio. Vivência esta, que relata em seu livro como uma das mais felizes que teve.

TEREZÃO   – Pela filha Isel

Terezão sai de casa cedo, acorda com o sol, não se sabe bem se por hábito, se para impressionar, o fato é que faz isto com gosto.

pode-se dizer que tenha sido uma das primeiras feministas, destas opacas figuras que não figuram na história como tal. Não ficou conhecida, nem como vereadora que foi em 55, nem como a primeira possuidora de um automóvel, quando nem os homens o possuíam, nem como a motoqueira de 50. É uma espécie de guru, invejada por quem não tem a coragem de fazer o que faz, seguida de perto pela sociedade da qual faz parte. Raramente troca de roupa, raramente vai ao cabeleireiro, frequentemente vai a festas e mais frequentemente ainda choca e faz feliz uma gente rica que a tem como a mais corajosa dos mortais. Trabalhou. Dirigiu. Vendeu. Comprou. É o fim de uma destas tardes próprias para um lanche fino, das madamas de lero-lero.

Terezão chega atrasada, o lanche é em sua casa. Serve pão quente com manteiga fresca e café com leite. Assume o que faz, faz com gosto de quem gosta de pão com manteiga, feito por uma das muitas empregadas. É o fim de mais um dia de quem não tem preocupações e se as tiver, trata logo de “lograr um polaco” para arranjar o dinheiro.

Assim é a Terezão, aquela que serve pão com manteiga e que não tem escrúpulos de realmente lograr um polaco para ter o prazer das coisas feitas para a satisfação própria.

 

 

 

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