Enquanto não é prioridade, acessibilidade (inexistente) humilha e limita quem dela precisa

“Acessibilidade não é, nem deveria ser tema de interesse, apenas de deficientes físicos e seus familiares. Todos precisam ter consciência de que, ao sofrer um acidente, circular com uma criança ou pelas limitações da idade, terão baixa capacidade de locomoção.”

Mateus com a mãe Cristiane.

O tema acessibilidade, sempre em pauta, foi trazido novamente para o Comcafé, no último domingo (30), quando a mãe de Mateus Felipe de Lima (12 anos, que é cadeirante devido à uma malformação na espinha), o viu revoltado mais uma vez, por ter dependido de ajuda para entrar numa panificadora de Laranjeiras do Sul.

“O que digo para meu filho, quando ele se revolta e me pergunta: “mãe, porque todos podem entrar nos lugares e eu não?”, quando sabemos que há leis e alternativas para evitar esse tipo de sentimento frustrante, e que ele tem direito à acessibilidade”, questiona a mãe de Mateus, a professora Cristiane Felippini.

A resposta do poder público, através do secretário de Obras e Urbanismo, Leoni Luiz Meletti Tilim), sendo que a regulamentação municipal também é aplicada ao setor privado, é de que é muito difícil adequar o quadro urbano já estabelecido dentro de um planejamento de acessibilidade. O secretário diz que sua vontade é ir fazendo rebaixamento de guias na medida que forem feitos recapes asfálticos na cidade. Ele reconhece a inadequação dos equipamentos público para o acesso de cadeirantes, e diz que as novas ruas que estão sendo e serão pavimentadas, todas atendem o que determina a Lei 9050 de normas de acessibilidade gratuita. “São muitos os espaços públicos sem acessibilidade. Podemos começar pelo local onde está hoje a prefeitura, até o Fórum, que conta apenas com acessibilidade interna”, concorda o secretário.

“Toda a nova edificação pública, e mesmo aquelas que são voltadas para o comercio, precisam seguir a lei de acessibilidade. Agora, para intervir nas vias já asfaltadas e edificações comerciais que antecedem a lei, é muito difícil, e isto ocorre em todos os municípios. Primeiro, porque depende de um replanejamento, que hoje, não temos infraestrutura para fazer. Depende de quebrar e reconstruir. É possível, mas com novas demandas aguardando para serem implementadas, e como não temos por exemplo, engenheiro contratado pela prefeitura, uma vez que o concurso realizado não contempla o piso de um profissional, posso afirmar que mesmo havendo nossa vontade, é algo de difícil solução”, comentou o secretário.

Tilim ressaltou ainda a falta de  consciência e dificuldade em relação ao controle da construção de calçadas. “Temos quatro modelos que devem ser aplicados, de acordo com o tripo da edificação. No entanto, mesmo pessoas com grau de instrução superior, resistem em atender a legislação, e como temos apenas um fiscal de obras para todo o município, fica difícil identificar todas as obras que precisam receber notificação para se adequarem”, observou Tilim.

O entendimento de Mateus, que tem espírito esportivo e além da dificuldade e risco que corre para andar nas ruas de Laranjeiras, e enfrenta barreiras para poder acessar a quadra do Ginásio Laranjão, onde treina basquete, é de que todos devem tomar consciência de que, se não têm baixa acessibilidade hoje, poderão ter no futuro. “É muito melhor para qualquer pessoa, andar por uma calçada plana. Até porque, baixa capacidade de locomoção, é só uma questão de tempo. E quando a gente é impedido de transitar, a sensação de desrespeitos que sentimos é muito grande”, afirma o adolescente.

Para o arquiteto e urbanista e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, Bruno Fernandes de Olivera, a adaptação das ruas de Laranjeiras do Sul para um modelo acessível a todos, é favorecida pela lagura das ruas e pela geografia da cidade. “A cidade é provida de ruas largas, possibilitando fazer ajustes, sem grandes traumas, assim como não conta com topografia íngreme.

O Comitê Brasileiro de Acessibilidade (ABNT/CB-40), atua desde 2000, na produção das normas técnicas no campo de acessibilidade atendendo aos preceitos de desenho universal, estabelecendo requisitos que sejam adotados em edificações, espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, meios de transporte, meios de comunicação de qualquer natureza, e seus acessórios, para que possam ser utilizados por pessoas com deficiência (Acesse o link e faça o download da norma da ABNT: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/).

Os desafios de Mateus e sua família

Mateus nasceu com má formação na espinha bífida, cujo diagnóstico de Mielomeningocele, uma malformação congênita do Sistema Nervoso Central que se desenvolve no primeiro mês de gestação o levou a passar os primeiros seis anos de vida, praticamente internado, no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba. “Quando vinhamos para casa, só dava tempo de  arrumar as sacolas de roupas e já tínhamos  de voltar. Ainda bem que encontramos tratamento gratuito, pelo SUS”, lembra Cristiane. Ela e o pai, Marcio, só souberam da doença, após o nascimento do filho, e de lá para cá, os desafios são diários, pois ele já passou por pelo menos cinco cirurgias de grande porte, a primeira delas, tendo durado 8h de longa agonia para ambos.

Quando chegou a idade escolar, mais luta. Inteligente e com desenvolvimento intelectual acima da média, Mateus teve como encaminhamento educacional a APAE, o que foi um trabalho para a mãe, enfrentar o sistema e provar que a necessidade dele era de inclusão, pois acompanha com facilidade o aprendizado convencional, necessitando apenas de monitoria.

Hoje Mateus estuda no 8° ano, no Col. Floriano Peixoto, é bem relacionado e diz ter gratidão pelos professores e colegas de aula, que o acolhem com carinho e respeito, mas que para acessar a biblioteca e quadra, também sofre. “Não tenho problema com as pessoas. Elas sempre só querem me ajudar. Até reclamo um pouquinho do excesso de solidariedade, porque as vezes eu sinto vontade de ser independente. Sinto desrespeito mesmo, pela falta de um olhar inclusivo na cidade, em relação ao transito de pessoas como eu, podendo exercer nosso direito de circular e entrar em espaços públicos e do comercio”, ressalta Mateus, ao contar que muitas vezes já ficou preso nas calçadas, tendo que descer da cadeira e esperar que alguém aparecesse para o ajudar, assim como só consegue passar pelas guias rebaixadas das garagens dos carro (até achar uma garagem ele corre risco de ser atropelado pelos carros, “então fico pensando que a cidade é feita para os carros e não para a s pessoas”), e se sente humilhado cada vez que não pode entrar num estabelecimento comercial e comprar o que precisa, como todos fazem.

Em relação ao esforço próprio para acompanhar a rotina das pessoas que são iguais a ele na capacidade intelectual, mas não na parte física, Mateus diz que precisa ser mais forte. Mas que é movido por uma imensa vontade de buscar o que quer para si. “Eu tenho que ser mais forte não só para lidar com a dificuldade de locomoção, mas em muitas coisas. Para manter meu psicológico equilibrado e não cair em depressão, por exemplo. E também para prever o que pode acontecer comigo e a forma de resolver, nas situações de afronta social, como é o caso da falta de acessibilidade” Conclui.

 

 

 

 

 

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