Alcoolismo e outras drogas: um problema social grave, tratado com discrição quando não ignorado

Apesar do estímulo social, da propaganda com viés econômico e carga tributária das drogas lícitas, frustração e desamparo é o que maioria das pessoas encontra quando busca apoio para conter o consumo crônico, inclusive do álcool, que tanto é estimulado como recriminado pela mídia e pela sociedade.

Psicólogo Antonio Carlos Schwab.

Sobre o tema, a reportagem de Comcafé ouviu o psicólogo Antonio Carlos Schwab, abordando sobre o senso comum, bem como a resposta da ciência, ausência de políticas públicas e os paliativos encontrados  quando até mesmo a fé passa a ser um agente solitário no combate do problema que tem muitos fatores a serem considerados e compreendidos por todos.

O Psicólogo Schwab, que atende todos os tipos de drogadição e transtornos mentais, tem por metodologia, o tratamento sistêmico de acordo com a orientação junguiana, baseada nas ideias de Carl G. Jung, isto é, tratar não só a pessoa com o problema, mas também os familiares (filho, pais, cônjuges, irmãos ou outros afetos íntimos mais próximos). Pois, de acordo com ele “é preciso considerar que não é algo do indivíduo apenas. Mas também em relação ao que potencializa a adicção (termo usado na psicologia e psiquiatria para definir o uso de entorpecentes como doença)”. De acordo ainda com o psicólogo, não basta tratar apenas o indivíduo, como se ele optasse pelo processo viciante no sentido da tentativa de alienação daquilo que ela não consegue dar conta. Ou seja, é preciso que a pessoa seja compreendida em todo o seu processo de adicção, seja de qual ordem for, para que busque através do auto-conhecimento, novas posturas que o tirem do sofrimento.

O objetivo principal da reportagem é promover a compreensão do processo de tratamento de álcool e outras drogas por meio da ciência, assim como compreender na visão psicológica, como ocorrem os tratamentos paliativos e se é possível um atendimento público que seja efetivo e amplo, no tratamento de pessoas que estejam buscando ajuda para enfrentar o problema.

Para Schwab, seria fundamental que houvesse, independente do tamanho dos municípios, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com atendimento separado para álcool e drogas e para transtornos mentais, de modo que um atendimento não afetasse negativamente o outro. “Não sei como está agora, mas quando trabalhei no Caps de Laranjeiras do Sul, lá trabalhávamos com todo o tipo de drogadição e mais os transtornos mentais, num mesmo espaço. Isto tem origem no sistema, que nos pequenos municípios não tem como fazer a separação dos atendimentos. No entanto, muitas vezes quando se trata duma pessoa com sintomas de álcool, enquanto uma família que está ali com seu ente querido, aguardando atendimento para transtornos, todos se sentem desamparados, desprezados por um sistema que acaba por resultar inoperante no tratamento.

Sobre como ocorre o tratamento em Laranjeiras do Sul, a reportagem ouviu o secretário municipal de Saúde, Valdecir Valicki, que informou que os atendimentos ainda são realizados do mesmo modo mencionado por Schwab, e que inclusive no período da pandemia, não há psicólogos prestando o atendimento. “Estamos com edital aberto para contratar três psicólogos, pois os que temos pelo município, estão afastados por já serem do quadro de risco”, disse o secretário, destacando concordar com a importância de que os tratamentos sejam separados, mas lamentando que os municípios pequenos, realmente não recebam a estrutura necessária para a mudança desejada.

Entrevista 

Comcafé: Como ocorre o processo de autocrítica através do autoconhecimento, que o senhor destaca no seu método de tratamento para a pessoa parar com as drogas?

Schwab: Importante já destacar que no caso do álcool, se trata de alcoolista e não mais alcoólatra. Pois o termo alcoólatra significa que a pessoa idolatra o álcool. Mas isto não acontece desta forma. São muitos os fatores. Pois a pessoa é o resultado de todo um processo formativo, desde a concepção no ventre materno. Toda a experiência com o mundo externo é consequência daquilo que ele capta desde a forma intuitiva na relação com seus genitores. Depois, prossegue para o que ela mesma faz consigo. Mas não se pode ignorar que também está ali, aquilo que fizeram com ela. Portanto, não se pode apontar o dedo para um único indivíduo, independente do que esteja ocorrendo com ele.

Comcafé: Existem estágios para o processo de alcoolismo, por exemplo, que é a droga mais comum?

Schwab: É possível identificarmos três estágios do alcoolismo. O pré-estágio ocorre no primeiro núcleo familiar, pois vai sendo pré-instalado ou constatado de forma fenomenológica no convívio ou não com os pais. Período este em que ocorre o processo formativo da personalidade do indivíduo, de acordo com o seu contexto familiar. Por exemplo, se a criança vê o pai chegando em casa alcoolizado e na melhor das situações, indo direto dormir, ou seja, isto quando ele não vem e bate, agride de diversas formas. Este seria o primeiro estágio em que o indivíduo aprende com os pais ou responsáveis, sobre como se comportar como homem e como mulher. O segundo estágio é muito mais prolongado. É quando a pessoa exerce aquilo que aprendeu. Então a pessoa aprendeu a beber, por exemplo, e apreendeu/tomou para si, aquele “modelo bonito” que é associado ao sentimento pelos familiares e que se naturaliza como uma forma de se dar bem com os amigos, de relaxar, de se soltar para uma conquista amorosa, dentre outras relações. Já, a terceira fase, é o processo de sequelamento. Que é o processo de autodestruição e destruição do seu núcleo familiar do momento. É uma fase que parece que não tem mais jeito. A pessoa começa a se perceber assim. Em função de tudo isto, a pessoa nega a dependência.  Mas não há como, pois aquilo já está tão instaurado e  posto no seu dia a dia. Aí está o motivo pelo qual trabalhamos com o processo sistêmico, que visa também a escuta e apoio formativo dos familiares para que compreendam o problema. É preciso que a auto análise ocorra em todos. Não apenas no indivíduo que apresenta o problema. Porque, se nós só apontamos o dedo para ele, nós estamos numa relação abusiva, porque ele não tem força para sair sozinho. E se o contexto fora do ambiente terapêutico que é em torno de 50 minutos, uma hora, por semana, quinzenal ou por mês (imagine no caso do serviço público que o atendimento ocorre a cada 60 ou até 90 dias), se no resto do tempo não encontrar apoio e compreensão no grupo familiar. Por isso, dentro do processo sistêmico, tratamos toda a família, pois nem sempre é só a pessoa viciada que está doente.

Comcafé: E como é possível a família ainda encontrar forças para apoiar, ao invés de apenas aguardar pelo resultado do tratamento?

Schwab:  É preciso compreender que o agravamento que chega no terceiro estágio, está na frustração vivencial da pessoa em não dar conta de cumprir com suas responsabilidades, em função do vício, como por exemplo, um sujeito que é mantenedor de uma família e de repente, é demitido do emprego. A primeira válvula de escape é tentar esquecer aquela dor que está sentindo, na bebida ou em outras drogas que tenha se tornado dependente. Precisamos ter claro que pensar numa ajuda terapêutica por exemplo, é para uma minoria, quase um luxo. É muito mais fácil uma substância qualquer como o álcool, por exemplo, que inclusive, é lícito e socialmente aceito.

Comcafé: Há quem associe a dependência como genética. Isto ocorre ou é equívoco?

Schwab: Definitivamente, não se trata de um problema genético. Não exite um gene que transmita do pai para o filho uma dependência química. Mas há um outro conceito que se confunde muitas vezes, que é a “fenotipia”. Ou seja, o experienciar de um processos onde o filho vê como o pai e a mãe agem.  A pessoa vai aprendendo como alienar a sua consciência das suas frustrações, de seus medos, das suas fraquezas, da sua timidez. Voltando-se para o álcool, ao qual se tem acesso mais imediatamente, parece que é a pilula da alegria, da transformação, e que, de acordo com o reflexo daqueles laboratórios familiares, onde para comemorar algo, há que ser regado a bebidas ou outras drogas. É uma questão da própria cultura ocidental. E é por isso, que é preciso compreender os fenômenos que ocorrem.

Comcafé: E a indução indireta às drogas, por meio de propaganda, etc. Vemos em muitas lives, os artistas sendo patrocinados por algumas marcas e consumindo bebidas.  Nesse sentido, a cultura também pode ser um gatilho que se deixa utilizar para induzir ao uso de entorpecentes?

Schwab: Em alguma dessas lives você viu algum artista dizendo beba esta cerveja, ou este vinho ou este wiski? Certamente não. Quero provocar a pensarmos que mesmo havendo o patrocínio de bebidas, nenhum ídolo convida seus fãs para beber aquela bebida. Mas não é preciso, pois isto está implícito. Vamos pensar numa noite de Natal em que você, lá do alto, avista uma carreata daquela bebida muito popular, muito iluminada. Eles apenas mostram uma carreata iluminada que remete nas pessoas uma noite de natal encantadora em família. Eles não dizem que o consumo daquela bebida poderia causar dependência ou mal. O que eles transmitem é uma mensagem subjetiva de encantamento, vendendo o sonho, ou seja, a publicidade, que é diferente da propaganda em si. É nesse sentido que o encantamento com qualquer entorpecente é uma cortina de fumaça. É nesse sentido que as drogas se tornam doenças sociais. Primeiro você vê apenas o encantamento, como se estivesse vendo pela tela de um computador. No entanto, a partir do momento em que você toca com o dedo, abre-se todo um processo que pode te levar à destruição. É por tudo isto que o tratamento sistêmico é necessário. Pois, se a sociedade não assume o “mea-culpa” e a própria família também não dá suporte, a situação se torna cruel.

Comcafé: Então como fica a dinâmica do tratamento no âmbito do serviço público?

Schwab: No âmbito público, há o Centros de Atenção Psico-Social. Porém, principalmente nos municípios pequenos, não se conta com estruturas adequadas para que se faça o tratamento. Em geral, todos os tipos de situações são tratados num mesmo local, tendo que absorver tanto os caso de alcoolismo como de outras drogas e os transtornos mentais, inclusive os severos, num mesmo espaço. Claro que é feito um apoio emocional, instrumentativo e formativo aos familiares. Mas não há como tratar sistemicamente o problema.

Comcafé: Além dos serviços individuais de psicoterapia e atendimento no Caps, também existem instituições que acolhem num formato de comunidade terapêutica, a exemplo do Esquadrão Resgate de Laranjeiras do Sul, que tem uma pratica de Tratamento través da Fé, cujo trabalho começa com internação e abstinência total. Estes também funcionam?

Schwab: Sobre as comunidades terapêuticas que focam na abstinência do entorpecente, mas sem o tratamento sistêmico,  sou contra. Principalmente, nos caso em que não se trabalha com o apoio da ciência.  A fé, eu reputo como de grande importância. Porém, se aliada à ciência. Mas a fé por si só, vejo que fica um desiquilíbrio, da mesma forma que a ciência sem fé, também fica em desiquilíbrio. Deveria ter um equilíbrio dinâmico entre ciência e fé. Porque a fé ou a religião sobre uma bandeira doutrinária dogmática, traz um processo de retirada de autonomia dum pensar mais amplo, só se focando naquilo. Muitas vezes há uma pecaminização ou demonização daquilo que não faz parte do processo doutrinário dogmático aplicado. Eu vejo as comunidades que têm esse perfil de comunidade terapêutica, mais como sociais do que terapêutica. Pois não há um processo de trazer o indivíduo para um processo de auto análise por meio do conhecimento, onde tanto esse indivíduo como a família podem rever os princípios que o levaram àquilo. É como se fosse possível deixar para trás tudo aquilo que potencializou o estágio da doença, só vendo o indivíduo a partir daquele momento. Se você seguir este caminho, você será salvo de tudo. Isto vem totalmente contrário a uma abordagem analítica e não diretiva, onde as forças de cura não estão num médico, num pastor, no psicólogo, nos mestres espirituais nem nos remédios. As forças de cura estão sim no indivíduo, mas é preciso dar todo um suporte para que este indivíduo se auto-critique, se auto-conheça. Ele e sua família. Só a partir disto, desta libertação e da busca pela verdade interior é que este indivíduo vai se libertar. E não do fechamento para tudo o que fez, produzindo culpa, substituindo muitas vezes o vício, por um amarguramento e um sofrimento eternos, podendo inclusive, potencializar outras formas de dor e sofrimento, tanto para si como para outras pessoas, pois muitos não aceitam tais formas de aprisionamento. Por isso, muitas pessoas preferem ficar pelas praças. É a espiritualidade que liberta e não esta ou aquela religião. Só o auto-conhecimento faz com que a pessoa não se aprisione e busque uma integração com o divino, por meio da integração com a natureza, com a mãe Terra, se harmonizando com outros irmãos de outros reinos, animal, vegetal e humano. Essa integração dentro de Gaya que é a mãe Terra é que é libertadora, sobre a égide da luz, da divindade. É assim que eu vejo.

 

 

 

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