De boatos a fatos, tudo se cogita e se consolida ou não, passa pelo crivo dos ouvidos e das bocas malditas, do ponto forte nas decisões políticas de Curitiba, com maior movimentação aos sábados pela manhã.

Boca Maldita, com seus diversos grupos de frequentadores e assuntos de interesse local, regional e além do Brasil.
Boca Maldita, com seus diversos grupos de frequentadores e assuntos de interesse local, regional e além do Brasil.

Fundada em 1956, tendo ganhado notoriedade em 1960, quando defendia a liberdade em tempos de ditadura militar, a Boca Maldita, no coração de Curitiba (início da Rua XV de Novembro), tem em seus frequentadores e “Cavalheiros oficiais” verdadeiros arquivos vivos sobre sua principal função que é discutir a realidade, os problemas de Curitiba, do Paraná, do Brasil e outros países.

Um exemplo disso ocorreu em 1968, no dia 13 de dezembro (mesmo dia em que, todos os anos, ocorrem os jantares da Boca), quando foi baixado o Ato Institucional n.º 5, o AI-5. Em 1971, com base na crítica ferrenha, a Boca Maldita ajudou a derrubar o governador Haroldo Leon Peres, indicado pelo general-presidente Médici. Em 1984, apoiou o primeiro comício a favor das eleições diretas para presidente. “A ideologia deste local sempre foi a liberdade de crítica”, comenta um dos atuais frequentadores, o advogado Arnaldo David Baracat.

Mas nem só de momentos “sérios” vive a Boca Maldita. O doutor Júlio Gomel, médico Urologista que veio recém-formado do Rio de Janeiro, em meados da década de 50, conta

Dr. Júlio Gomel, "o dedo de Curitiba".
Dr. Júlio Gomel, “o dedo de Curitiba”.

que certa vez, estava na fila para um autógrafo do então governador Jaime Lerner, que lançava um livro, e quando chegou sua vez, Lerner ruborizou de tanto rir. “Quando perguntei o motivo de tanta graça, ele disse: é a dedicatória que vou fazer a você, Gomel. E quando me entregou o livro, eu é que passei a gargalhar. Estava escrito: com carinho, ao dedo de Curitiba”, lembra o médico, que hoje tem denominação mais específica “proctologista”.

Ele explica que a alcunha é relacionada ao fato de mais de metade da população masculina de Curitiba, já ter passado por sua avaliação, naquele tempo, quando ainda era um dos poucos especialistas em próstata.

No entanto, os frequentadores do ponto mais político de Curitiba, hoje já não são só os pioneiros nativos. Com a chegada dos árabes, libaneses e sírios dentre outras etnias (ítalos, portugueses e japoneses) o mundo político da Boca se expandiu muito além das fronteiras. Um dos grupos de frequentadores, no momento desta reportagem, falava sobre a recente abertura que a Universidade Federal do Paraná protagoniza, ao oferecer vagas em cursos do Ensino Superior para refugiados ou portadores de visto humanitário.

“Sabemos bem o drama que é ser refugiado. Não diretamente, mas neste grupo de maioria árabes, libaneses, sírios e judeus, somos filhos ou netos de refugiados”, comentou Baracat que é descendente de árabes com italianos.

Não perdendo a piada, o grupo conta que têm uma brincadeira relacionada aos fatos locais: “Quando chegamos em Curitiba, somos todos turcos. Quando abrimos um comércio (lojinha), passamos a ser sírios, quando viramos donos de shopping, somos judeus e os que viram milionários, libaneses”, brincam.

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