Eles não estão só às margens da BR 158, mas também das prioridades do poder público e da sociedade

Aos que afirmam que os moradores de quatro barracos às margens da 158, em Laranjeiras do Sul, não querem sair dali, pois preferem a facilidade de ganhar donativos e materiais recicláveis, eles garantem que essa versão não é verdadeira.

Post que deu origem ao levantamento da situação pela reportagem.

Um post com fotos no facebook da internauta Eliane Sarvacinski, nesta segunda-feira (29), deu origem há uma série de questionamentos e opiniões a respeito da precariedade em que vivem pessoas que habitam barracos improvisados às margens da BR 158, em Laranjeiras do Sul, há mais de 10 anos.

Muitas foram as manifestações de solidariedade e de pessoas que se dizem acompanhar o fato, fazendo costumeiramente doações e conversando com as famílias. Dentre os comentários, prevalece a afirmativa de que eles já se acostumaram a viver ali, que não querem deixar o local, mesmo quando lhes são dadas oportunidades. “O prefeito Claudir Justi, junto com sua esposa Clarete, conseguiram casas, para os que queriam sair deste lugar. Foram realocados em outros locais, como não se acostumaram, ou não gostaram, retornaram às margens da BR. Aumentou consideravelmente o número desde então. Não vi mais ações da municipalidade desde então, entra prefeito, sai prefeito e o risco de atropelamento e insalubridade permanece.”, comentou a internauta Margarida Frizzo Manzoni.

“Antes das eleições foi fácil prometer, iludir o povo pra ganhar votos. Mais agora tudo se torna difícil como diz nosso digníssimo prefeito. Agora o povo tem que viver apenas de promessas”, comentou ainda a internauta Lindacir Padilha, atribuindo a permanência dos acampados ali, à não prioridade do poder público para com pessoas que estão em extrema vulnerabilidade social.

Houve ainda a manifestação do empresário Flávio Trento, que assegurou já ter ofertado uma casa para uma das famílias, mas que as pessoas preferem viver ali, por alguma comodidade. “Oi, concordo com vocês, mas a situação ali é a seguinte eles não querem de forma alguma sair dali, pois oque ganhão ali não vão conseguir em outro lugar.  Já tivemos um problema muito serio ali, me propus a dar outras casa em outro local, mas ai depende do poder judiciário e publico pra resolver a questão. Eles estão com medo de ficar sem ajuda se saírem dali e dizem que é propriedade deles, além do serio risco de atropelamento não só na BR como dentro dos barracos.”

VERSÃO DOS ACAMPADOS (todos nascidos e criados em Laranjeiras do Sul)

Poço D’àgua e tanque improvisados, onde normalmente lavam roupar e tiram água para limpeza.

Nesta terça-feira (30), a reportagem de Comcafé, foi até o referido acampamento e conversou com os habitantes do local, que vivem de fato, de forma muito precária, sem energia, sem água, buscando água do posto de gasolina do outro lado da BR, e marginalizados, principalmente pelo tratamento que recebem, ou que não recebem, tanto do poder público como da sociedade, que supõe que gostam de viver como estão e que já acostumaram a viver de migalhas. Os moradores dizem nunca ter recebido visita de assistentes sociais que os encaminhassem com prioridade para um programa de habitação. Que apenas o Conselho Tutelar aparecia quando havia crianças ali, que foram levadas para familiares extensivos. Mas destacam que no Natal, sempre aparece alguém da assistência social com uma ficha para retirarem uma cesta de alimentos.

Seu Luis mostra o barraco e plantas que está cultivando.

O primeiro a contar sua versão foi o Seo Luis Carlos de Oliveira. Homem de 48 anos, com aparentes marcas de sofrimento e desesperança. Disse que acorda as 5h, que já havia feito a coleta de recicláveis e que aquela hora (8:30), já estava fazendo a seleção. Ele conta que é nascido e criado na Vila São Miguel, e que sua vida foi trabalhar na iniciativa privada, desde britador, ajudante de pedreiro e até foi um tempo trabalhar no Paraguai, na colheita de algodão. Casou e teve 11 filhos com a Dona Leonilda (personagem principal desta história) que é sua vizinha de barraco, e a primeira a começar ali um movimento por moradia, quando já estava separada dele. Os filhos, hoje crescidos, não moram com eles. Mas vivem e trabalham todos em Laranjeiras do Sul. “Antes, a gente vivia nuns barracos mais lá pra frente. No total faz mais de 10 anos que vivo nas beiras dessa BR”, conta.

Seo Pedro da Luz, dentro do barraco, com a companheira Josélia e o vizinho Seo Luis.

 

Seo Luis acompanhou a reportagem até o barraco do seu compadre Pedro da Luz, de 44 anos, que vive ali há vários anos também, tanto com a primeira esposa que morreu num acidente de moto, quando voltava de um baile, deixando o menor dos dois filhos que tiveram com quatro anos. O filho mais velho foi embora e o pequeno foi viver com uma irmã materna mais velha. Agora ele vive há cinco meses com Josélia Rodrigues Constant de 37 anos. Os filhos dela ficaram com o pai num bairro da cidade, sendo dois maiores e um de 14 anos. Josélia conta que fez o cadastro para habitação, mas ao conferir o andamento, soube que havia sido extraviado. “O Carçudo me disse que perderam a pasta, que eu teria que entrar na fila de novo. Aí desanimei”, diz.

Outro morador é o Seo Dominato Gonçalves da Silava de 70 anos, que

Seo Dominato, 70 anos.

é aposentado e diz estar com boa saúde. Ele também tem 11 filhos. Seis vivendo em Nova Laranjeiras, duas filhas foram para assentamentos na região de Londrina, onde ganharam terras e segundo ele estão bem, e outros três filhos seus estão presos. Dois na penitenciaria de Piraquara e um em Laranjeiras do Sul. “Eu na vida só aprendi a trabalhar na roça. Vim pra cidade, tive os filhos e alguns não se encaminharam bem. Esses dois que estão presos fora, ficaram violentos. Esse que está aqui, não é. Vive aqui comigo e me ajuda. Mas se envolveu com uma má companhia que chamou ele para carregar coisas roubadas e acabou se complicando junto”, lamenta. Seo Dominato diz que não só se mantém no cadastro do município para uma moradia como sempre se recadastra.

A dona Leonilda

Dona Leonilda diz que só estão ali porque nunca foi, de fato, ofertado outro local e moradia.

Já a Dona Leonilda é uma figura a parte. Com  uma conversa afiada, 48 anos, mãe dos 11 filhos que teve com o Seo Luis, ela hoje se dedica ao tratamento de um Câncer de útero que lhe tirou de combate, dependendo da colaboração dos vizinhos de barraco para tocar a vida. Diz que os filhos lhe visitam, mas que não pode depender deles, que são ocupados em dar conta das próprias vidas. Quando separou do Seo Antônio, ela passou a viver com outro companheiro, que foi vítima de um atropelamento fatal, no início deste ano.

Dona Leonilda conta que foi a primeira a acampar ali. Que não foram poucas vezes que foi pedido para que saísse, mas que resiste, pois seu objetivo é conseguir uma habitação do governo, tanto que sempre esteve cadastrada, mas que nunca é chamada para ganhar uma das casas, e que isso tem lhe causado muita revolta. “Agora estou novamente esperando que o prefeito Berto Silva se lembre de nós. Agora eu digo, depois da eleição. Porque antes da eleição ele sempre apareceu por aqui. Votamos todos pra ele. Eu pedi o voto para cada um. Mas minha filha, eu ando muito desiludida, cansada e até com a cabeça ruim de tanta ingratidão desses que promete e não cumprem”, relata dona Leonilda, ao fazer uma pergunta que sugere dura resposta: “O que que a gente é dentro dessa sociedade?”

Quem disse que eles não querem sair dali?

Josélia pode lavar toda a roupa com o apoio de uma vizinha que deixou lavar em sua casa, usando a máquina em troca de serviço de costura.

Esse é o ponto central dos questionamentos de Dona Leonilda, que garante nunca terem sido realmente levados a sério. Ela diz não se recordar de oferta real de casa por gestão nenhuma. “Sempre prometeram. Mas só blá, blá, blá. Pergunte se algum dia levaram nós para ver o lugar que a gente podia morar. O que me lembro bem é do pessoal da rodovia parando com caminhonete aqui e determinando que eu desocupasse. Sempre disse pra eles que se me dessem um pedaço da terra deles, eu saia. E fui ficando aqui. Tô até hoje desse jeito que você tá vendo. Horrível até pra tirar uma foto”, reconhece.

Sobre a casa que o empresário Flavio Trento diz ter ofertado, dona Leonilda conta sua versão. “Ah sim. Teve esse comentário. Mas não da boca do Flávio nem do Felipe, filho dele, nem quando eles vêm aqui trazer o dinheiro, 200 que peço e que eles me trazem, cada vez que vou para Cascavel fazer as sessões de tratamento contra o Câncer”, comenta a acampada.

Dona Leonilda conta que quem falou a ela sobre uma casa foi o advogado de Flávio, Dr. Gustavo, segundo ela. “Esse advogado cuida do processo do atropelamento e morte de meu marido, causado pelo Felipe, filho do Flávio, quando ele voltava do posto com um galão de água”, afirma dona Leonilda, dizendo que foi apenas um comentário do advogado e que sua resposta foi positiva. “Eu disse que então que fosse logo. Porque pelo menos eu enfrentava essa doença num lugar melhor, já que fiquei sem o meu marido que me ajudava. Mas foi só de palavra mesmo. Se eles derem é claro que quero”, conclui.

 

 

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