Estudante da UFFS que ficou cego na infância, por erro médico, transforma desafios em poesia

Ele conta sua trajetória de desafios e que recém e inesperadamente foi parar por acaso nas mão do mesmo profissional de saúde que não o encaminhou adequadamente, quando tinha  um ano e meio. Esse descuido ou não associação do Sarampo com a visão, o deixou irreversivelmente cego. Diz que a reação que teve foi aproveitar para contar o fato ao médico que assustado, lhe pediu perdão.

Elias Benvenhu, nascido em Laranjeiras do Sul e residente em Rio Bonito do Iguaçu, desde os sete anos é filho “do meio”, de uma família de 14 irmãos. Está com 38, e só começou a se alfabetizar aos 16, quando buscou ajuda no Centro de Educação Espacial, que na época funcionava na Escola Municipal Teotônio Vilela, e hoje realiza atendimento no Colégio Estadual Floriano Peixoto.

Ele conta que sua cegueira aconteceu em função de uma má condução no tratamento contra o Sarampo, doença que deixou milhares de crianças de sua geração com síndrome semelhante. No seu caso, conta que depois de muito buscar ajuda com especialistas é convicto de que a cegueira aconteceu por erro médico. “Ele usou um tipo de antibiótico para combater  Sarampo, que era preciso neutralizar com outro tipo de vacina, após um mês. Mas não disse isso a minha mãe, e o não procedimento faz com que minha visão fosse completamente comprometida”, diz Elias.

Após  ingressar no Centro de Educação Especial, Elias conta que ficou mais 16 anos de sua vida, apenas no processo de alfabetização, tanto no aprendizado do alfabeto, como da independência, uso de bengala, soroban, reglete e Braille. Ele destaca que com o incentivo da professora Sueli, a quem faz questão de agradecer, começou a se interessar por mais conhecimento. “A professora Sueli tinha um método muito importante no trato conosco. Ela identificava nossas capacidades e nos motivava a aprender mais sobre aquilo que a gente gostava de fazer. Alguns colegas gostavam de música. Eu sempre fui para o lado da poesia. Mas mesmo assim aprendi a tocar violão”, conta.

Só com 32 anos é que Elias começou a frequentar também o Colégio Estadual Ludovica Safraider em Rio Bonito do Iguaçu, onde concluiu o ensino fundamental e médio, sempre buscando apoio para as novas etapas, no Centro de Educação Espacial, que nessa época já prestava atendimento, também naquele município. “Na medida que a gente vai evoluindo o Centro segue ajudando a aprender novos desafios. Ainda busco ajuda lá para usar alguns equipamentos e adaptar alguns com Breille, como é o caso deste teclado que uso agora”, mostra.

A cegueira e o encontro com médico a quem atribui o erro

Recentemente, o estudante conta que foi encaminhado para a realização de uma endoscopia. Quando já aguardava na maca na sala de atendimento, ouviu a assistente pronunciar o nome do médico, que crescera ouvindo ter sido inabilidoso no seu tratamento contra o Sarampo, tendo o levado à cegueira. “Quando ela falou o nome do doutor que sei que continua na ativa, minha vontade foi sair correndo. Mas não deu tempo, pois ele já se encontrava ali e já o ouvi falando sobre os procedimentos. Então perguntei a ele se fazia ideia do motivo que me deixou cego. Ele respondeu que não e me perguntou como foi. Respondi que cresci ouvindo meus pais contarem que foi ele quem me tratou e que especialistas que busquei mais tarde por conta própria, atribuem meu caso à falta de cuidado no tratamento do Sarampo em relação à visão. Ele se mostrou muito assustado. Me pediu perdão. Eu o perdoei, pois hoje ele já está com muita idade e minha visão, não há dinheiro que recupere mais”, afirma Elias, acrescentando que não se sente incapaz e que é tão grato pelo que tem conseguido realizar, apesar das dificuldades, que é capaz de perdoar.

NOVOS DESAFIOS – A universidade, Vida afetiva, paternidade e sonhos

Há dois anos casado com a companheira que já era mãe, Elias também se tornou pai de um menino de quatro anos, que veio morar com o casal há três meses. Ele tinha ingressado no curso de Educação do Campo, na UFFS – Laranjeiras, antes de iniciar o relacionamento com a esposa. Mas havia se desmotivado. Agora, com o apoio dela voltou e acredita que vai até o fim, pois diz que não pode desperdiçar todo o apoio que recebe da instituição e que depois desse curso, pretende lecionar enquanto cursa direito que é seu sonho.

Quanto ao casamento, diz que foi um acontecimento importante em sua vida. Conheceu a esposa por intermédio de pessoas da igreja que frequenta, durante um encontro em Cascavel. “Ela vivia em Londrina, hoje veio morar comigo aqui. É um importante acontecimento para mim”, conta o agora pai, acrescentando que está esperançoso por uma boa convivência com o enteado, pois diz que percebe que sua superação de dificuldades, já lhes chamam a atenção. “Ele já pergunta para a mãe como é que eu consigo fazer certas coisas, sem enxergar. Ainda não me chama de pai, pois ficou um tempo com a família dela e veio recentemente conosco. Mas eu o quero como filho”, declara.

O apoio da Universidade 

Sua atual monitora, a universitária Branda Oliveira, que faz todo um trabalho de adaptação dos conteúdos, transformando textos em áudios e  o auxiliando em suas necessidades acadêmicas, conta que Elias é um bom aluno. “Ele tem tirado boas notas. Ao mesmo tempo que o auxiliamos, também precisamos ir dando autonomia a ele, fazendo com que se desafie a novos passos, explica.

Sobre o amparo que recebe na UFFS, Elias diz que é surpreendente. “A UFFS me acolheu muito melhor do que eu pensava. Nunca sonhei que pudesse contar com uma pessoa me auxiliando na universidade. Também sou bolsista. Recebo R$ 330 para auxilio alimentação e transporte, o que facilita, pois além disso conto apenas com o benefício por causa da deficiência e com a venda do livro”, afirma Elias que diz que já participou de muitas mobilizações por melhorias na acessibilidade e passe livre. “As coisas começaram a melhorar em 2008”, lembra.

O oficio de escritor

Como escritor, Elias publicou um livro intitulado “Palavras Poéticas Além da Visão”, já na segunda edição, com poemas que falam das sua experiência de vida, sentimentos de amor e convivência com pessoas especiais. Dentre eles, poemas ao pai e à mãe, ambos já falecidos, ela aos 63 anos. Comercializa sua obra por R$ 20, por onde passa. “Mas atualmente, por causa da crise, as vendas caíram”, diz.

 

 

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