Exemplo ético de uma família exprime amor e cumplicidade entre vidas raras

“Além do uso contínuo de um medicamento, pela filha mais velha, que custa ao Governo federal, R$ 16 mil semanalmente, somando R$ 64 mil mensais, a segunda filha do casal também requer cuidados especiais com a saúde –Desafios à parte, os laços criados mantêm a família unida e feliz”

 

A história começa quando Cleusa e Noir Vanderlei Hartmann se conheceram e se casaram em 1987. Após nove anos juntos, o casal desejava um filho, que por algum motivo não identificado, não vinha. Os dois começaram a conversar sobre a hipótese de adotar, chegando à conclusão de que estavam de acordo, sem ter clareza sobre o processo de adoção, uma vez que a época, o assunto além de tabu, não era debatido ou facilitado, como ainda não é suficientemente abordado na sociedade.

Foi então, que ao saber do desejo do casal, ao se deparar com uma criança recém-nascida na porta de sua casa, em Guarapuava, uma prima de Cleusa ligou dizendo: “deixaram uma criança muito pequena na minha porta. Parece que acabou de nascer. É uma menina. Vocês não querem vir ver?” Cleusa não teve dúvidas, chamou o marido e os dois foram muito emocionados ao encontro de Vanderléia, nome que deram a pequena grande garota, que hoje tem 21 anos e superando infinitos problemas, lhes dá também, infinitas alegrias, além de ser a melhor amiga da irmã, Cleidinéia, filha biológica do casal, que nasceu dois anos após sua adoção.

Vanderléia com a mãe – dia de aplicação do medicamento, no hospital
Vanderléia com a mãe – dia de aplicação do medicamento, no hospital

PRIMEIROS DESAFIOS

A adoção de Vanderléia, como era habitual até pouco tempo, foi “à brasileira”.  Termo utilizado quando se ia ao cartório e registrava a criança em nome dos pais, sem que fosse exigido nenhuma comprovação da paternidade. Cleusa conta que embora fosse uma miniatura de bebê, a menina não apresentava nenhum sinal de imperfeição, tinha boa saúde. “Quando o Dr. Ilton a pegou no colo, ele se emocionou. Ela cabia em uma de suas mãos, de tão pequena que era. Foi um desafio dar banho”, lembra a mãe, observando que a alimentava e seguia uma rotina normal, até aos três meses.

Ao completar o primeiro trimestre, Cleusa conta que o pediatra começou a perceber que havia algo anormal com a saúde da bebê. “Começamos a levar em especialistas, fazer exames e mais exames. Ela não estava crescendo e uma dor de ouvido tirou a paz dela e a nossa, pois a víamos sofrer as 24 horas do dia. Foi uma luta!”, relembra a mãe, que como diz, sempre foi muito religiosa, pedia orações pela vida da filha a todos os credos “havia até uma corrente de orações envolvendo pessoas de todas as religiões. Ela estava muito fraca, já era pequena. Passamos muito medo de que não sobrevivesse”, conta.

Vanderléia gosta de ajudar a mãe, no mercadinho
Vanderléia gosta de ajudar a mãe, no mercadinho

SOLIDARIEDADE

Mais tarde, descobriu-se, com a ajuda solidária de uma médica, que por acaso era especialista no caso – os viu passando na rua ao sair do hospital (enquanto aguardava abrir o sinaleiro) e os chamou – que Vanderleia sofre de uma doença rara. Mucopolissacaridose tipo 6, uma doença que, de acordo com especialistas, não costuma se manifestar logo após o nascimento, mas que logo após, começa a dar sinais pela baixa estatura e crescimento, sem comprometer o desenvolvimento mental.

 

Mesmo frágil, Vanderleia ia superando os problemas, e em meio a orações da comunidade e idas e vindas para Curitiba, onde buscavam identificar a doença dela, para surpresa do casal, Cleusa descobriu que estava grávida. “Foi um misto de alegria e preocupação. Queríamos muito, mas o sufoco pelo qual passávamos com a primeira filha, nos dava medo”, confessa o pai.

Eles contam que a solidariedade das pessoas foi muito importante para que se mantivessem firmes no processo de descobrir a doença de Vanderléia, enquanto chegava um novo Bebê. Então, nasceu a irmã, Cleidinéia, hoje com 19 anos, cuja importância de conviverem tão intensamente e se identificarem, o casal diz não saber explicar. “É claro que as vezes brigam, como brigam normalmente os irmãos. Mas em geral, são amigas e não imagino uma sem a outra”, ressalta Cleusa.

A médica que ajudou a família, além de descobrir a doença, o tratamento e orientá-los no encaminhamento de solicitação do medicamento ao Governo federal, pois custa R$ 16 mil a dose utilizada semanalmente, somando R$ 64 mil mensais, mais tarde, ao perceber o sofrimento da família para irem todas as semanas para Curitiba, com a ajuda de profissionais locais, também viabilizou que o medicamento seja aplicado na cidade, mesmo. Para isso, uma equipe de profissionais do Hospital São Lucas, de Laranjeiras do Sul foi treinada, e agora, Vanderléia recebe o tratamento e volta para casa, em apenas meio dia. “Já acostumei a levar agulhadas”, diz a menina brincalhona e bem-humorada. “Outra coisa que não sei dizer é de onde ela tira tanta inspiração para ser engraçada” brinca o pai, observando que as vezes, o humor costumeiro vira às avessas e Vanderléia fica brava e teimosa.

As irmãs Vanderléia e Cleidinéia
As irmãs Vanderléia e Cleidinéia

NOVOS DESAFIOS

Os desafios do casal, no entanto, vão além do imaginável. Trabalham muito, ela a frente do mercadinho de bairro “Mercado do Alemão”, e ele na chácara que possuem à cerca de 20 Km da cidade, produzindo verduras e frangos caipiras  para vender.  Aos três meses de idade, descobriram que a segunda filha, também apresentava um problema grave de saúde. Ela sofre de epilepsia, doença que se expressa por crises epilépticas, no caso dela, com convulsões, o que exige cuidados permanentes. Embora com dificuldades para os estudos, muito em função dos medicamentos, Cleidinéia, que já frenquentou a APAE e hoje estuda em escola normal, por meio do processo de inclusão, se recusa a ir à escola . “Ela já caiu muitos tombos por causa das crises, desde pequena. A gente tem medo até de que vá banheiro, por exemplo, pois mesmo com os medicamentos, as crises sempre voltam”, diz a mãe.

CUMPLICIDADE

Problemas de saúde á parte, o que chama a atenção é a cunplicidade que todos da família demontram ter desenvolvido para tocar a vida em frente, , se adaptado à realidade e não deixando de sentir felicidade com os acontecimentos do dia a dia. “Gosto muito de dormir na chácara, quando vou com o pai, para acordar com o canto dos galos que temos lá”, diz Cleidinéia.

Pai (alemão), Cleidinéia, Vanderléia e a mãe Cleusa
Pai (alemão), Cleidinéia, Vanderléia e a mãe Cleusa

 

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