Implantação do maior assentamento da América Latina: Ireno Alves e Marcos Freire

O colunista semanal de Comcafé, Alessandro Kominecki, que publica às segundas-feiras, é professor de Geografia, especialista em Educação do Campo e membro da APP-Sindicato núcleo de Laranjeiras do Sul. Atua como professor na rede estadual de ensino do Paraná.

Em 1996, às margens da PR-158, entre os municípios de Laranjeiras do Sul e Rio Bonito do Iguaçu, ocorreu à formação do maior acampamento da América Lática, juntando três mil famílias. Devido ao grande número de pessoas que reuniu, levou a pequena região a fazer um cadastro das pessoas interessadas em trabalhar na agricultura, o mesmo era realizado no momento que as famílias chegavam a BR-158, como também nos sindicados das cidades de origem das famílias. Esse cadastro continha perguntas voltadas para o interesse dessas famílias de integrar o movimento sem terra. As famílias vieram de varias regiões, sendo algumas do Paraguai, e outras da cidade de Foz do Iguaçu.

O desejo dessas pessoas era a conquista de seu pedaço de terra, podendo usufruir de uma vida mais digna, através do trabalho na agricultura, mantendo-se enquanto indivíduo e garantindo a melhoria da qualidade de vida da família.

Entre tantas famílias, havia aquelas que tinham medo de não conseguir a ocupação, pois já haviam participado de outros movimentos que lutavam pelo mesmo ideal na década de 80, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e não obtiveram sucesso.

Para organização do acampamento, era realizado um cadastro separando as pessoas em grupos de ate trinta famílias. Os grupos eram coordenados, participavam de reuniões e possuíam a incumbência de cuidar da infraestrutura que o acampamento deveria ter. Marca também a história a morte de Ireno Alves, num acidente de carro, ele era o principal coordenador do movimento. Com tantas contribuições no processo de luta em prol da reforma agrária, o primeiro assentamento levou o seu nome.


Tendo em vista a grande diversidade de pessoas que faziam parte e a divergência de pensamento, as decisões finais sempre eram tomadas por meio de uma assembleia geral, com a participação de todas as famílias e faziam o uso do voto para expressar suas opiniões. Os assuntos a serem debatidos eram explanados e, logo após, ia para apreciação popular. Os votos eram contados a partir do levantamento do braço para a aprovação. Vale ressaltar que, apesar de muitos terem pensamentos divergentes, sempre lutavam para que fosse decidido o que seria melhor para todas as famílias, mantendo o mesmo objetivo comum (GALERA, 2009, p.56).

As estruturas físicas do acampamento ficavam a beira da BR-158, onde se apresentavam como um amontoado de barracos pretos, lonas, sem uma lógica aparente. Mas na realidade, esse acampamento era organizado e alinhado com disposições topográficas, conforme salienta Galera (2009, p.56) “além do espaço de luta e resistência também o espaço era interativo, comunicativo fazendo periodicamente analises da conjuntura da luta”.

As dificuldades encontradas para se manterem na BR-158 levaram os coordenadores do movimento a se reunirem, onde decidiram por buscar um local onde as famílias ficassem melhores distribuídas e a água fosse de fácil acesso. Nesse momento, se pensou ainda em educação para crianças, alimentação e também lugares para fazer as místicas, que eram como uma cultura para eles. Com isso, o município de Rio bonito do Iguaçu tornou-se um lugar conhecido, e esse acampamento, situado em uma região próximo ao Rio Xagu, foi chamado de “Buraco”, em uma propriedade da fazenda Giacomet Marodim, onde existia uma área preservada de mata nativa.

Na noite de 16 de abril de 1996, ocorre o levantamento do acampamento na PR-158, para se instalarem num lugar estratégico conhecido como “Buraco”, localizado entre os municípios de Saudade do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, terras essas pertencentes à Fazenda Giacomet Marodim, que faziam parte de uma Reserva Ambiental, localizado no município de Rio Bonito do Iguaçu.

A chegada no Buraco significou a vitória para os integrantes do MST, pois estavam mais perto de realizarem seus objetivos. Mas as dificuldades continuaram dentro do acampamento, pois era época de inverno e fazia um frio rigoroso. Como moravam em barracos feitos por lonas pretas, a noite o frio era mais intenso e o orvalho fazia tudo ficar mais difícil, deixando as cobertas molhadas.

As crianças eram as que mais sofriam, pois o local para tomar banho era o rio Xagu, além da desnutrição e a precária assistência médica que existia no ano no município, a falta de saneamento básico era o que mais provocava as doenças infantis. Uma alternativa usada para combater a mortalidade infantil na época, foi às complementações alimentares, feitas por entidades como a Pastoral da Criança, as quais produziam remédios alternativos naturais, feitos através de chás para curar algumas doenças.

Muitas eram as dificuldades encontradas por essas pessoas, a exclusão social era também um dos maiores fatores encontrados por eles, a sociedade propagava uma visão preconceituosa contra eles, a luta pela sobrevivência assim ficava cada vez mais difícil e humilhante. Nesse período houve no local a vinda de vários representantes políticos como governadores, senadores, deputados e representantes do MST.

O acampamento, então, muda-se para a sede da fazenda Giacomet Marodim onde foi necessário que o povo tivesse uma vida mais digna durante aquele momento, pois não existia um local adequado de moradia e plantação no Buraco, as famílias não conseguiam empregos, pois eram tratados como baderneiros por várias pessoas do município. Assim ficaram três meses acampados no Buraco. A demora do resultado levou os companheiros a decidirem à ocupação. Como encontra-se no MST (1999) os companheiros de luta se reuniram em assembleia e decidiram ocupar a sede da fazenda.

O deslocamento até a sede da fazenda foi de uma distância de 14 Km, ocorrendo no dia 29 de outubro de 1996. Assim, como as ocupações feitas em outras épocas, o lema era “é necessário plantar”. Nesse local, antes mesmo de haver as negociações para a reforma agrária, houve o cultivo de milho, feijão e verduras, o qual acontecia de forma coletiva e cooperativa. Existia nesse campo uma organização de 83 núcleos de trabalho, numa área de ocupação de 2.500 hectares. A desapropriação da primeira parte da fazenda foi de 16.852 hectares, o que levou 900 famílias a terem um local para poder plantar e melhorar suas vidas.

Essa desapropriação foi publicada no dia 16 de janeiro de 1997, com isso, o Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária – INCRA resolve fazer um cadastramento próprio para assentar as 900 famílias. A divisão realizada pelo INCRA foi realizada por talhões, onde as famílias poderiam escolher seus lotes.

Depois de um ano, uma área de aproximadamente dez mil hectares foi desapropriada e as famílias excedentes puderam ser assentadas, neste período foram 601 famílias. O primeiro assentamento recebeu o nome de Ireno Alves dos Santos e o outro passou a denominar-se Marcos Freire.

Segundo a ideologia do MST não se muda uma sociedade e seu regime econômico apenas pela conquista da terra, mas certamente por um novo modelo de sistema educacional, voltado para os anseios de uma sociedade que foi excluída historicamente.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”. Nelson Mandela

Referências:

GALERA, I. Resgate da história dos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freira em Rio Bonito do Iguaçu – Paraná. Monografia. Curitiba: UFPR, 2007.

MST. Construindo o Caminho. São Paulo, 2001.

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