“No causo, no causo, culega”

Diego Mendonça.Diego Mendonça Domingues é Engenheiro civil, formado pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em administração tributária e integrante do levante popular da juventude e publica sua coluna todas terças-feiras, no Portal Comcafé.

Ele vinha esbravejando com os cachorros. Não hoje. Há tempos. Mas ultimamente os cães também estavam ficando nervosos com ele, pois ele começou a desafiar muito. Era compreensível, a comunicação entre seres de diferentes espécies nunca foi o forte deste planeta, ainda mais quando uma das partes está embriagada. Não que ele se embriagasse tanto. Mas quando o fazia esbravejava com os cachorros, do lado de fora das cercas:

– Venha aqui se você realmente for macho! Ugh…

– Au, au – respondiam normalmente os interlocutores.

Mas mais recentemente ouvia-se como resposta frequente um “Aaaaargh… Aaaaargh…”, claramente um chamado à briga.

Entretanto, é uma fase, insistia em constatar especialmente quando sóbrio. A fase dos cachorros, apelidou ele. Já conhecia boa parte da vizinhança. Tinham os pequeninos que mesmo que o mordessem não fariam muito estrago, e dois ou três que poderiam até lhe render uma perna. Com estes o papo era mais embaixo:

– Quero ver pular essa cerca aí e me pegar do lado de cá!

– Aaaaargh… Au! – Onomatopeia notoriamente de raiva canina.

Mas a vida dele não se resumia nas discussões acaloradas com os melhores amigos do homem. Ele também tinha uma lavoura. Talvez não uma lavoura, lavoura. Mas uma pequena plantação atrás de sua casa. Buscava plantar os mais variados tipos de frutas, legumes e verduras. Havia um pé de pêssego. Limão. E uma laranjeira. Além disso, mais ao chão, cheiro verde, alface e quiabo. Embaixo da terra, no espaço que sobrava, beterraba e batata doce.

Comia bem. Ouvia músicas da época da jovem guarda, e gostava de ler o jornal. Não assinava, nem via na internet. Ia na padaria, pedia uma média não requentada, depressa. Quando chegava, deliciava-se nas notícias do dia.

Trabalhava. Falava pouco sobre o trabalho. Mais trabalhava mesmo.

Tinha uma esposa e filhos. A esposa ficava em casa, ajudava a cuidar da horta. Os filhos, um menor, de 5 anos de idade, iria entrar na escola ano que vem. A maior, de 12, era inteligente e bonita.

Sábado. 19 horas de um fim de semana qualquer, perdeu uma perna.

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